Detento

Voltar atrás
fazer voltar o tempo
tento e detento
sinto o peito
bate lento
estreito
volta tempo
traz o peito
volta ao leito
ao relento
volta atrás
traz de volta
para tudo
nessa volta
bate lento
estreito
e para!
não me deixe ir embora…

AB

[To go back
to turn back time
I try and as a prisoner
is my heart
beating slow
narrow
go back time!
bring the chest
back to bed
the dew
please go back!
bring it again
freezing all there
beating slow
narrow
and stop!
do not let me go…

Renovação

Vida segue sua lida
bom que vá desmedida
o partido em ferida
recupera em nova vinda
quem haveria de saber
o sabor da tortura finda
presença que revigora
fundo dentro e tudo fora
quem haveria de saber, querido
aventura que explora
fundo dentro e tudo fora
que o peito aguente hora a hora
já que cresce como flora
coração que expande em mola
retorne jamais de agora
ao tamanho necrosado pela
dor que encolhe tudo embora

AB

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recovery 2, oil on canvas. 2016

 

Névoa

Péssimo pensar onde errei
olho pra trás névoa que ofusca
impede a visão que te busca
a razão leva e traz como lei
sensação tão sem conforto
do caos total tudo torto
vejo partes do já ido
escolhidas pela porção
mais inconsciente da minha
própria percepção que te busca
trás névoa que ofusca
caminhos de vida em linha
reta torta sempre brusca
encontram nunca a solução
pra entender onde do erro
vasculho toda a mente
esperança sempre presente
de encontrar semente choca
de tua planta seca e ausente
o vácuo do pensamento segue
vento em busca do elemento
em meio a tanto resíduo
tóxico de tanto sentimento
cada fluxo de ideia não se
perfaz não há linha reta
torta sempre se termina
incapaz impossível encontrar
um motivo consistente que
se renda culpado pelo rumo
dessa vida.

  AB

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andromache. digital over oil on canvas. 2016

A Ausência e a Dúvida – um conto sobre o amor que nunca foi e seus frutos (uma análise da auto obsessão e do monoideísmo)

(English)

E naquele momento ela ficou paralisada. Algo lhe percorrera o corpo, fosse veneno ou alguma toxina que lhe era própria, verdade é que a deixou num estado tal que suas faculdades já não mais funcionavam. A sombra da então gigante Dúvida era incontestavelmente o que a obsidiava, no entanto, Ausência aproveitava-se de seu estado debilitado para desferir-lhe o golpe fatal. Não vê-lo novamente estava muito além do remanescente de suas forças já débeis.

Elas, a Dúvida e a Ausência, há muito haviam crescido e de amigas-irmãs se revelaram cruéis madrastas. De início, na medida do impossível, aprendera a conviver com elas. Logo que nasceram, colocou-as na edícula de sua alma, alimentando-as a cada dia. Acreditava que depois de ter permitido que elas nascessem, deveria deixá-las viver, coexistindo e cocriando no mesmo tempo-espaço de seu eu. Imprudência pura. Não atentara para o fato de que ambas foram geradas a partir de pedacinhos cissíparos de suas próprias entranhas, assim, o dia chegaria em que não mais se contentariam com tal subjugo.

Pedacinhos cissíparos… Sim, também nós nos reproduzimos de maneira assexuada. Tal cissiparidade, invisível, ocorre da seguinte maneira: começa no âmago onde a força vital impulsionada por sensações e pensamentos adversos se rompe, e aquilo que alguns gostam de chamar de alma, dilacerada, divide-se em idênticos pedacinhos de si. Daí, tal como funcionários públicos dum governo inadimplente, o coração consente e o cérebro reitera. Atente-se, pois, que o comum nesse caso é que o indivíduo original, a alma, talvez não volte a se regenerar por completo, como na maioria das espécies de platelmintos, cnidários, etc. O que se segue é a gestação intracerebral: a partir do pedacinho mais resistente, um pequeno balão-ovo vai se formando para que, uma vez quebrada a casca, o filhote-aflição seja liberado, verticalmente. Rumo aos céus deve seguir. Muitas vezes, no entanto, o pior acontece. Um mórbido orgulho parental ou até um equivocado senso de responsabilidade não permite que se vá. Logo, a edícula e a manutenção do rebento. Adverte-se também que tal cria dificilmente pode ser vista pelos olhos que a terra há de comer ou o fogo consumir. Entretanto, alguns sinais latentes podem ser observados, ainda que com dificuldade até mesmo para o próprio genitor.

E elas cresciam, a Dúvida e a Ausência. Matá-las seria abrir mão do que já não tinha. Deixá-las ir, simplesmente impossível, principalmente agora que crescidas estavam maiores que a alma mãe. Sempre pensava duas vezes e desistia. Mas ali, bem ali, elas se mostraram soberanas. Venceram-na. Deixaram somente o que dela era o mais denso. Oco. Verdade seja dita, ela já havia podido sentir que esse momento chegaria e já havia, em êxtase e à distância, quase tateado com as mãos firmes de seus pensamentos torpes a sensação que agora a impossibilitava até de respirar.

Na ocasião do vislumbre agarrara-se à sua dileta, também cria d’alma, Esperança. Acreditava que num momento como esse, tal ninfa piedosa, atiraria em seu oceano lamacento algum tipo de bote salva-almas: enganou-se. Via-se só. Provava agora a verdade do dito popular. Sim, a Esperança seria a última a morrer. Não sabia por quanto tempo poderia aguentar a substância letal que lhe percorria as veias. Substância que ela mesma havia produzido e liberado por imprudência. Talvez.

Substância. Impossível deixar de examinar qual seria seu nome. Haveria de ser algo concreto o que agora transitava livremente por suas veias e adentrava seu sistema nervoso. E ela em sua inconsciência consentira que a dominasse por completo. Uma bile ou algo parecido. Quanto à inconsciência é impossível afirmar. Afinal, em estado germinal, não é incomum haver na alma fissípara somente uma impossibilidade frágil e frívola.

A verdade é que ele surgira à desavisada de maneira inadvertida e nada nunca pareceu tão certo. Assim como surgira, agora a deixava com algumas Pistas torturantes do sim e com sua Ausência e a Realidade infalível do não. Foi o suficiente para que elas, suas reais inimigas, a finalizassem. Se o fizeram sozinhas, não se sabe. Fora Esperança e seu irremissível descaso, talvez tenham contado com a ajuda da Realidade e das gêmeas Pistas, também suas crias mantidas em algum porão nos recônditos de seu ser pouco desbravado.

Alessandra Barbierato

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suspension: walking the tightrope suspended by thoughts. acrylic on cardboard. 2015

Dilema

Deuses e demônios cruzaram-me o horizonte
qual meditativa verdade então instaurada
dali me ficou proferida a função dessa fonte:
passar noite e dia na companhia da realidade
Tarefa mais árdua que essa não há, primeiro
por vezes tentei disfarçando, tais seres driblar
Depois em segredo comigo pensei infalível:
“não vejo, não falo ou escuto: não preciso lidar”
Acreditei ser possível tornar-me invisível
passando impassível por qualquer lugar
Quem me haverá de forçar ao intangível?
Por fim, disfarçado de tigre ardiloso e sagaz
veio a mim já exausto o engano me pondo a par
“Menina, fazer-te de sonsa é apenas fugaz
em solo arenoso quanto mais cresce a planta
mais árdua ainda é a tarefa de não afundar.”

AB

Moderação

Bem fez quem sondando comparou-o a distúrbio ou doença
Tal é a moléstia que pela fresta da alma incauta atravessa
Atentando aos sintomas se pode entender o estágio de evolução
A primeira medida é saber se a alma perdida vive de alucinação
Se a garganta ofegante e já seca não pensa nas coisas que diz
Se com a cabeça apertada arrebatada ao longe se crê mais feliz
Se indo de encontro ao agente apresenta estranha exaltação
E na confusão, somando um borrão ao andar parece voar pelo chão
Se com o pulso surdo e oscilante o ar é retido e o peito oprimido
Já demente a mente insistente provoca zunido no fundo do ouvido
Cautela pede a bizarra situação sem solução nem remédio eficaz
Antes que o coração solando compasso sinistro o passe pra trás
Se assim suceder, necessária será a extração da perigosa afecção
Segue-se então à incisão longo e penoso processo de cicatrização.

AB

A Ausência e a Dúvida

E naquele momento ela ficou paralisada. Algo lhe percorrera o corpo. Fosse veneno ou alguma toxina que lhe era própria, a verdade é que a deixou num estado tal que suas faculdades já não mais funcionavam. A sombra da então gigante Dúvida era incontestavelmente o que a obsidiava, no entanto, Ausência sorrateira aproveitava-se de seu estado debilitado para lhe desferir o golpe fatal: Não o ver novamente estava muito além do remanescente de suas forças já débeis.

Elas, a Dúvida e a Ausência, há muito haviam crescido e de amigas-irmãs se revelaram cruéis madrastas. De início, na medida do impossível, aprendera a conviver com elas. Logo que nasceram, colocou-as na edícula de sua alma, alimentando-as a cada dia. Acreditava que depois de ter permitido que elas nascessem, deveria deixá-las viver, coexistindo e cocriando no mesmo tempo-espaço de seu eu. Imprudência pura. Não atentara para o fato de que ambas foram geradas a partir de pedacinhos cissíparos de suas próprias entranhas, assim, o dia chegaria em que não mais se contentariam com tal subjugo.

Pedacinhos cissíparos… Sim, também nós nos reproduzimos de maneira assexuada. Tal cissiparidade, invisível, ocorre da seguinte maneira: começa no âmago onde a força vital impulsionada por sensações e pensamentos adversos se rompe, e aquilo que alguns gostam de chamar de alma, dilacerada, divide-se em idênticos pedacinhos de si. Daí, tal como funcionários públicos dum governo inadimplente, o coração consente e o cérebro reitera. Atente-se, pois, que o comum nesse caso é que o indivíduo original, a alma, talvez não volte a se regenerar por completo, como na maioria das espécies de platelmintos, cnidários, etc. O que se segue é a gestação intracerebral: a partir do pedacinho mais resistente, um pequeno balão-ovo vai se formando para que, uma vez quebrada a casca, o filhote-aflição seja liberado, verticalmente. Rumo aos céus deve seguir. Muitas vezes, no entanto, o pior acontece. Um mórbido orgulho parental ou até um equivocado senso de responsabilidade não permite que se vá. Logo, a edícula e a manutenção do rebento. Adverte-se também que tal cria dificilmente pode ser vista pelos olhos que a terra há de comer ou o fogo consumir. Entretanto, alguns sinais latentes podem ser observados, ainda que com dificuldade até mesmo para o próprio genitor.

E elas cresciam, a Dúvida e a Ausência. Matá-las seria abrir mão do que já não tinha. Deixá-las ir, simplesmente impossível, principalmente agora que crescidas estavam maiores que a alma mãe. Sempre pensava duas vezes e desistia. Mas ali, bem ali, elas se mostraram soberanas. Venceram-na. Deixaram somente o que dela era o mais denso. Oco. Verdade seja dita, ela já havia podido sentir que esse momento chegaria e já havia, em êxtase e à distância, quase tateado com as mãos firmes de seus pensamentos torpes a sensação que agora a impossibilitava até de respirar.

Na ocasião do vislumbre agarrara-se à sua dileta, também cria d’alma, Esperança. Acreditava que num momento como esse, tal ninfa piedosa, atiraria em seu oceano lamacento algum tipo de bote salva-almas: enganou-se. Via-se só. Provava agora a verdade do dito popular. Sim, a esperança seria a última a morrer. Não sabia por quanto tempo poderia aguentar a substância letal que lhe percorria as veias. Substância que ela mesma havia produzido e liberado por imprudência. Talvez.

Substância. Impossível deixar de examinar qual seria seu nome. Haveria de ser algo concreto o que agora transitava livremente por suas veias e adentrava seu sistema nervoso. E ela em sua inconsciência consentira que a dominasse por completo. Uma bile ou algo parecido. Quanto à inconsciência é impossível afirmar. Afinal, em estado germinal, não é incomum haver na alma fissípara somente uma impossibilidade frágil e frívola.

A verdade é que ele surgira à desavisada de maneira inadvertida e nada nunca pareceu tão certo. Assim como surgira, agora a deixava com algumas Pistas torturantes do sim e com a realidade infalível do não. Foi o suficiente para que elas, suas reais inimigas, a finalizassem. Se o fizeram sozinhas, não se sabe. Fora Esperança e seu irremissível descaso, talvez tenham contado com a ajuda da Realidade e das Pistas, também suas crias mantidas em algum porão nos recônditos de seu ser pouco desbravado.

Alessandra Barbierato

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suspension: walking the tightrope suspended by thoughts. acrylic on cardboard. 2015

Small works em detalhe

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Margaux and the dog: “repos”, mixed media. 2013

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Anita and a child in: “repos”, mixed media. 2013

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“potpourri dans le trou” detail, acrylic on cardboard. 2013

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“potpourri dans le trou” detail, acrylic on cardboard. 2013

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musing Margaux in: “the three tenses”, mixed media. 2013

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“le gauche” detail, acrylic on card. 2013

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the overfull, detail of “the three tenses”. 2013

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naughty angel in “planet love” , detail. 2013

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riding Margaux and “the rider”, mixed media. 2013

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“over the rainbow” detail, acrylic on canvas. 2013

Rédeas

Acreditei na mentira contada
Todos tão grandes e eu…
Acre, editei uma vida errante
Em terreno viscoso de frio escaldante

Quero de volta o bilhete comprado
O ingresso frustrado desse espetáculo particular
Quero andar pela areia firme
Sem esperar o sublime que alguém possa me dar

Coadjuvante, agora quase falante
Te restituo a mentira e minha coautoria
À mentira que é tua eu canto

Reclamo-te sim com meu berrante
Entoo por mim e a própria existência
Das cinzas, a sós, aos farrapos levanto

AB